sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Vinte e dois filmes já foram rodados na cidade de Cabaceiras, na Paraíba, que tem até letreiro anunciando a "indústria"
"A Califórnia e Cabaceiras têm cenários desérticos, luminosidade, variedade de sets e mão-de-obra barata", compara pesquisador
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABACEIRAS (PB)
No meio da PB-148, estrada que corta o semi-árido paraibano, um letreiro de 80 metros de comprimento por cinco metros de altura surge ao lado de mandacarus, xiquexiques e uma família de bodes.
As letras formam a expressão "Roliúde Nordestina", uma brincadeira com a Hollywood norte-americana, em Los Angeles, a cerca de 10 mil km dali.
O letreiro, inaugurado no último dia 5, anuncia a entrada de Cabaceiras (a 194 km de João Pessoa), cidade favorita de diretores de cinema, por onde as nuvens carregadas de água passam e quase nunca páram.
Vinte e dois filmes -como "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, e "O Auto da Compadecida", de Guel Arraes- tiveram o município como cenário.
A primeira vez que uma equipe de filmagem pisou na cidade foi em 1921, para gravar o documentário "Ferração dos Bodes", sobre a arte de marcar a ferro os animais que, desde aquela época, representam a principal atividade econômica local -a caprinocultura.
As últimas produções que fizeram de Cabaceiras um set de filmagem foram o longa-metragem "Romance", de Guel Arraes, ainda inédito, e o documentário "Cabaceiras", de Ana Bárbara Ramos.
Vantagens
O idealizador do projeto "Roliúde Nordestina", o escritor e pesquisador Wills Leal, 70, aponta, a partir de uma comparação com Hollywood, razões que levam os diretores a escolher Cabaceiras.
"Os cineastas norte-americanos notaram que em Nova York chovia muito e havia muita neve. Perceberam que não havia luminosidade e que os prédios da cidade limitavam as opções de cenário", diz.
"O terceiro ponto que levou à procura de novos lugares foi a formação de sindicatos de atores, que passaram a exigir salários mais altos para os profissionais", afirma.
Para Leal, o Estado americano tem muitas semelhanças com o município paraibano. "A Califórnia e Cabaceiras têm cenários desérticos, luminosidade, variedade de sets e mão-de-obra barata."
Há diretores que criticam o uso da expressão "roliúde", por considerar a comparação inadequada à realidade do local. "Hollywood não é só um cenário. Há estúdios, dinheiro circulando. Cabaceiras não é isso, é um set de locação", diz Ana Bárbara Ramos.
Apesar das analogias, Leal diz que a palavra "roliúde" é apenas marketing -que faz questão de grafar "marquete".
Artistas por um dia
Quase toda esquina de Cabaceiras já serviu de palco para confrontos entre cangaceiros e soldados e beijos apaixonados de mocinhas em heróis.
Pelas 20 ruas da cidade, é fácil encontrar alguém que já foi artista por um dia -ou por pouco mais de 24 horas. Garis, carteiros e comerciantes abandonaram seus postos de trabalho mais de uma vez para atuar como figurantes ao lado de famosos atores nacionais.
"Cabaceiras tem uma luz específica e é uma região seca. Deu para fazer todo o filme ali na redondeza", disse a atriz e diretora do curta "Tempo de Ira", Marcélia Cartaxo.
Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), Cabaceiras é a cidade onde menos chove no Brasil. A possibilidade de não perder dias de gravação por causa da chuva atrai diretores, porque reduz tempo e custos de filmagem.
Outro ponto que barateia a produção é a locação de sets. O aluguel mensal de uma casa em Cabaceiras é de cerca de R$ 400 -valor equivalente a uma diária em São Paulo.
As diárias dos figurantes no município -de R$ 15 a R$ 20- também ficam aquém das pagas nas metrópoles brasileiras. Em São Paulo, o preço gira em torno de R$ 50.
O pouco assédio da população aos atores e a facilidade para fechar ruas, tirar ou colocar postes, com o apoio da prefeitura, também são atrativos. Estima-se que um filme rodado em Cabaceiras possa economizar 30%, em comparação com produções rodadas em grandes centros.
A bela paisagem do local é outro chamariz. "Escolhi Cabaceiras para rodar dois filmes ["Viagem através do Brasil" e "São Jerônimo"] por causa da impressionante geologia da região", disse o diretor Júlio Bressane.
Catálogo e memorial
Por trás do letreiro, que custou R$ 15 mil e faz parte do orçamento de cerca de R$ 400 mil aprovado pelo Banco do Nordeste, está o projeto de mesmo nome, que busca catalogar filmes realizados na cidade, adquirir cópias e implantar um curso para atores. Um memorial cinematográfico já foi instalado no município.
O próximo passo é construir uma calçada da fama. Diferentemente da norte-americana, quem vai deixar a sua marca será o bode vencedor da festa tradicional "Bode Rei", que ocorre todo ano em Cabaceiras.
(© Folha de S. Paulo)
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Cabaceirenses viram dublês e figurantes
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABACEIRAS (PB)
"A produção do "Auto da Compadecida" não ia botar um cabra famoso para se deitar no calçamento", afirma o gari Ednaldo Lima, 36, para justificar sua atuação como dublê na cena da morte do cangaceiro Severino, interpretado por Marco Nanini.
Algumas cenas de ação da minissérie da TV Globo, depois transformada em longa-metragem, foram feitas por dublês cabaceirenses.
"Estavam procurando alguém que soubesse cair para a hora em que Chicó [Selton Mello] leva uma facada e cai. Como agarro no gol e sei cair, e sou um pouco parecido com ele, me escolheram", diz o carteiro Fabrício Santos, 29.
Para eles, o dinheiro da figuração, apesar de pouco, ajudou no final do mês.
Se a produção economiza ao rodar na cidade, os moradores lucram no comércio, na hotelaria e com empregos temporários.
José Nunes de Araújo Neto, 70, o Zé de Cila, foi dublê de Rogério Cardoso no "Auto..." e figurante em "Cinema, Aspirinas e Urubus". Ganhou bem mais do que os cachês: conquistou notoriedade e é um dos moradores mais conhecidos de Cabaceiras.
O "encantador de viúvas", como é chamado por sua fama de conquistar mulheres que acabaram de perder maridos, diz ter gostado de gravar a cena de "Cinema, Aspirinas e Urubus" que se passa em um bordel. "O meu papel era ficar abraçado, namorando e passeando pelo cabaré com aquela menina a noite todinha."
Zé de Cila assistiu ao filme quando o diretor Marcelo Gomes o exibiu na cidade. "Apareço só um pouquinho, mas não fico triste. Sei que editam tudo."
Já Iraci Soares Nunes, 53, a dona Cecília, fez o papel da viúva durante o enterro de João Grilo, personagem de Matheus Nachtergaele no "Auto...", e ficou famosa pela atuação.
Dona Cecília diz que chorou de verdade durante as gravações do enterro, porque tinha perdido seu marido havia sete meses.
(© Folha de S. Paulo)
Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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